Do outro lado do lado de lá do lado

Atrás do trio elétrico
só não vai quem já morreu;
quem já botou pra rachar
aprendeu.

“Atrás do trio elétrico”
de Caetano Veloso

Ideias.

Ideais.

Pratos imprecisos de nuance milimétrica da balança a equilibrar, malabares ao fechar o sinal de trânsito. Circo do dia a dia, desde o amanhecer. Difícil missão, impossível, diria o sábio gato alquimista Tom Cruise, caso o ator de Hollywood seja pessimista ou realista de fake news.

Entenda uma coisa: no controle remoto da televisão e das notícias que correm o mundo, o som não é seu, por mais que queira controlar as teclas e o volume já.

Queira viver já!

Não queira saber de bombas sem lenço e sem documento sobrevoando a Síria, ou a Ucrânia, ou a Palestrina e nem de povo indígena Yanomami passando fome e ressuscitando imagens horrendas do holocausto durante a Segunda Grande Guerra Mundial ou os genocídios na Bósnia. Diga adeus ao jogador de futebol milionário que abusa de mulher enquanto a festinha rola e desenrola entre os parças ou à justiça que o libera depois de um fiança paga por outro parça. Chega de crianças mortas de bruços nas praias da Europa e gente vestida de verde e amarelo subindo a rampa e pisando na democracia custosamente conquistada ao longo dos anos.

Protestar, pode; desmantelar a história, jamais!

Você não pode ficar assistir, concordar ou ligar o “esloda-se” para a periferia do seu corpo e da sua alma. nem aí é questão de ermitão. Somos uma aldeia, frutos naturais do planeta em eterna transformação. Veja a floresta, cheire o vulcão, meta o cotovelo e vá abrindo caminho, pegue no meu cabelo (ah, que saudade dos meus cabelos…) para não se perder sozinho.

Tem que tocar a banda, encantar o coreto no meio da praça, dedilhar o trompete.

O som é meu, o som é seu.

O sol é seu, o sol é de todos.

Disponível para a praia inteira, para quem se senta na beira e para quem se esconde no guarda-sol, porque o sol rompe no meio-dia e fica o alerta: hidrate-se bem de água límpida e não deixe de usar o protetor solar. A calota polar está mais pra cá do que pra lá. E o bom baiano canta que a Praça Castro Alves é do povo.

Quero viver lá!

De vez em quando surge um horripilante boneco de Olinda inconveniente, difícil de encarar, costuma aparecer em festa familiar. Gente que não compreende e que não quer entender, proposital e sistematicamente.

O lema dos desvalidos: não, por que não? porque não!

Fuja de pessoas indispostas a se entregar, se descobrir e deixar cair as fichas (isso é da época do orelhão de rua), da empatia e bater um papo, leve e solto, ouvir as opiniões alheias por mais estapafúrdias que sejam e discutir em bom tom sem pegar pesado, sem ofender. Já reparou que o botão de respeito anda meio desligado, enferrujado, desconectado? Assim caminha a humanidade, despercebida, desfalecida, entupida de cantorias enfadonhas e recheadas de ritos, mitos e gritos desacerbados, exagerados, gratuitos.

Quer evitar a ladainha? Troque de canal e seja empático.

A empatia é a mais tenra forma de identificação intelectual ou afetiva de um sujeito com uma pessoa, uma ideia ou coisa. Coloque-se no lugar do outro, procure sentir a dor de quem está ao seu lado. Você vai ver que o tamanho do buraco, alargado no silêncio da madrugada até o sol raiar, fica do outro lado do lado, de lá do lado que é lá, do lado de lá e mais embaixo, muito mais.

Até no frevo tocado nas ladeiras pernambucanas ou no batuque ritmado nas ruas de Salvador existe empatia, entre o atabaque e a guitarra baiana eletrificada de Armandinho, entre as pessoas que exalam samba, suor, cerveja e alegria, com ou sem o multicolorido abadá, não interessa. O que importa é ser empático, estar simpático, carismático, emblemático, pitoresco, peripatético, sem precisar da fantasia patética de tentar descobrir onde o diabo nasceu. Todo mundo sabe! Dizem que foi na Bahia…

Depois das cinzas, o frevo há de mostrar o sol do outro lado.

O tempo passa e na raça a gente chega lá.

Se só não vai quem já morreu, quero um frevo novo e todo mundo na praça.

Porque a praça é do povo, como o céu é do avião.

E o que fazer com o pessoal sem graça?

Manda pro salão!

Paulo Mauá, nascido em 1961, natural de Santos, SP, é escritor, músico, engenheiro, mestre em comunicação acessível e educador. Adora ler, caminhar na praia, viajar, ouvir música, ir ao cinema, tocar, estar em família e escrever. Iniciou a carreira de escritor na Bienal do Livro de São Paulo em 2002. Autor de vários livros infantis e juvenis como A Saga Panapaná (box de 5 livros), Dicionário de coletivos, Dicionário de aumentativo e diminutivo, A casinha das vogais, Passeio indígena por São Paulo, A Rosa cor-de-boto (contra a violência infantil), O mito de Uaçá e Uaná (lançamento no 1º semestre de 2025), Ovelhas e carneiros – bullying entre meninas e meninos (lançamento no 1º semestre de 2025), do livro sobre inclusão musical O ensino de música para cegos sem Braile: desafio ou loucura? (dissertação de mestrado) e do romance de suspense Siris, puçá e pão de cará (volume I da Trilogia sobre a Baixada Santista), lançado em formato e-book pela Amazon durante a Bienal de SP 2024. Cronista da Revista Voo Livre com Crônicas musicais e outros trens desde 2022, premiado em vários concursos de poesia, contos e crônicas, realiza Oficinas de Escrita e Contato com Autor em escolas públicas e particulares da Baixada Santista, no Brasil e Europa. Trabalha com mentoria de escrita para pessoas que desejam publicar o seu primeiro livro e escritores em geral. Ocupa o cargo de Vice-Presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), na atual gestão.

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