Meia-volta

Com a volta às aulas e o final das férias de alguns afortunados, que podem usufruir o primeiro mês do ano em uma praia de verde mar, água quente, à sombra de um coqueiro, o trânsito na cidade voltou a ser o que era: coisa do capeta. A enormidade de carros pelas ruas (contando comigo), torna o simples rodar por alguns quilômetros em um jogo de paciência. Sem contar que, às vezes, um veículo quebra, outro se acidenta, e tudo trava. Adeus compromisso!

Pois bem, sexta-feira passada, eu e a Luciane rumamos, à tardinha, para Águas da Prata. No sábado, teríamos o encontro com amigos para a confraternização dos oitenta anos da Clineida Junqueira. Teríamos, não, tivemos, e o encontro foi maravilhoso. Muita conversa fiada em um ambiente dos mais belos: fazenda Santa Maria. Comida e bebida rolando nas mesas, enquanto a aniversariante pingava, em todos os cantos, o seu encanto acompanhado de um largo sorriso.

Não era para falar da comemoração que me predispus a sentar ao teclado, nem para fazer aquele trocadilho infame de canto com encanto, mas precisava do pequeno aparte. Volto à tardinha da sexta-feira, quando peguei a Bandeirantes e um engarrafamento monstro se divisou. “Acidente no quilômetro tal” — dizia o alerta. Aqueles que entupiam as ruas da cidade estavam na estrada. Liguei o Waze, socorro para todas as horas, e ele me direcionou para o Rodoanel e, em seguida, pegar a Anhanguera, sentido interior. Incontinente, fui, mas, no caminho, ele recalculou e determinou que retornasse à Bandeirantes. “Não, não vou voltar” — ecoou em mim um determinado pensamento. O mais trágico aconteceu. Também ocorrera um acidente na Anhanguera. Rodamos mais de vinte quilômetros, como lesma em casca de caramujo, até nos desvencilharmos do congestionamento. Ufa! Roda livre, próximo a Jundiaí, só deslizar até a estância.

— Meu Deus do céu!

O grito da Luciane denunciava algo terrível.

— Esqueci as roupas em São Paulo.

Sim, era algo terrível. Não teríamos como participar dos festejos com a roupa do corpo. Um único remédio, dar meia-volta. Assim fizemos. Uma hora e quinze minutos depois, estávamos na Mooca. Ela um pêssego, eu uma banana, ela um copo de leite, eu uma laranja, prontos para o retorno. Mais duas horas e trinta, agora com pista livre, chegamos a Águas da Prata. Malas desfeitas, roupas acondicionadas, só restava o sono. Se fiquei com cara de zanga? Pode ser, mas sem um piado. Passarinho fecha o bico na presença de gatos. Em certos momentos, é melhor calar.

 

Fernando Dezena (Águas da Prata, SP, 1960) é poeta, contista e cronista. É o primeiro autor a escrever neste espaço: sorte a nossa. Diretor da UBE – União Brasileira de Escritores, Membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista, SP, e Curador Literário do Espaço Cultural da Boca do Leão, atualmente reside em São Paulo. Sétimo filho de onze irmãos, encontrou na poesia a companheira ideal dentro da Literatura. Casado com Luciane, é pai de Letícia e Lucas. Há mais de dez anos, escreve semanalmente uma crônica e a publica em suas redes sociais e grupos de literatura. Agora, essa crônica também será publicada aqui. No final 2024, Dezena lançou uma coletânea pela UICLAP: Antes o sol nascer.  O título carinhoso de seu blog e página no Facebook é Cafofo do Dezena.

e-mail: fernandodezena@uol.com.br
blog: https://fernandodezena.blogspot.com/
facebook: https://www.facebook.com/ferdezena

Tags: No tags

2 Responses

Deixe um comentário para Meire Marion Cancelar resposta

Your email address will not be published. Required fields are marked *