Amor sem fim: Marina Colasanti e Afonso Romano de Sant’Anna

Foram 87 anos para cada um, e ainda assim parece pouco diante da imensidão que construíram juntos. Marina Colasanti partiu primeiro, deixando um silêncio que nenhum verso conseguiria preencher. sabia disso, mas permaneceu um pouco mais, talvez tentando encontrar, entre suas próprias palavras, uma forma de seguir sem ela. Mas há ausências que não se suportam, e o amor, quando verdadeiro, não sabe ser sozinho. Hoje, 4 de março de 2025, também se foi, e o que poderia ser uma despedida tornou-se um reencontro.

Durante mais de meio século, dividiram tudo: a casa, os livros, os cafés, os silêncios, as descobertas e as histórias que escreviam e viviam. Marina encantava com sua escrita que parecia vento, com contos que misturavam fábula e realidade, transformando o cotidiano em magia. Afonso escrevia com a urgência dos que precisam decifrar o mundo, fosse em poesia, crônica ou ensaio. Ele lia Marina com o respeito dos que sabem que há algo sagrado no olhar de quem cria beleza. Ela o acompanhava com a devoção de quem entende que amar é, antes de tudo, admirar. A gente notava pela forma com que ela o olhava.

Vieram de caminhos distintos. Marina nasceu na Eritreia, atravessou oceanos e encontrou no Brasil sua terra de palavras. Fez da língua portuguesa sua casa e criou uma literatura com uma delicadeza que era só sua. Afonso veio de Minas, da terra de Drummond, trazendo nos ombros a tradição de uma poesia que sabe ser tanto amor quanto denúncia. Observador do tempo, crítico do presente, nunca perdeu a doçura nem a força de quem acredita na palavra como um gesto de resistência.

Quando se encontraram, o mundo pareceu fazer mais sentido. Nunca foram metades se completando, mas inteiros que decidiram caminhar juntos. E esse caminhar não foi de posse nem de fusão, mas de liberdade compartilhada. Respeitaram-se nas diferenças, inspiraram-se nas semelhanças e, ao longo dos anos, tornaram-se indissociáveis, como se um já estivesse escrito nas entrelinhas do outro desde sempre.

Um breve intervalo os separou do próximo capítulo. Marina foi na frente, talvez para preparar a paisagem, para escolher as palavras certas para recebê-lo. Afonso partiu depois, seguindo o chamado de uma história que não podia acabar assim. E assim, lado a lado, continuam no céu dos poetas.

Porque há amores que a vida não encerra. Há histórias que não pertencem apenas ao tempo. Quem abre um livro de Marina, encontra Afonso. Quem lê Afonso, sente Marina por perto. Não há como separá-los. Nunca houve.

E ao conhecer essa história, ao sentir a grandeza desse amor que atravessou décadas e fronteiras, resta a nós apenas uma vontade: amar também. Amar com ternura e respeito, com palavras e gestos, com o entendimento de que o amor, quando verdadeiro, não precisa ser explicado. Ele simplesmente é.

 

 

Fabrício Correia é escritor, jornalista e professor universitário. Poeta, presidiu a Academia Joseense de Letras. Membro da Academia Caçapavense de Letras e da União Brasileira de Escitores.