Sento-me à mesa do pequeno café na esquina, o cheiro aconchegante e quente do café recém-feito envolve a minha alma. O ambiente, simples e sereno, exala o aroma de algo já experimentado inúmeras vezes, mas que ainda guarda a promessa de algo inédito. Este é um daqueles cafés onde a conversa parece surgir naturalmente, como se o tempo ali se estendesse a cada gole.
Ele chega no horário, como de costume. A amizade é assim: uma história com início, meio e fim, que se repete ao longo dos anos, com a naturalidade típica das boas narrativas. Nos saudamos com o gesto simples habitual, como se as palavras fossem reservadas para ocasiões mais solenes. Ele se acomoda e, sem pronunciar uma única palavra, já me proporciona aquele olhar que somente os amigos antigos possuem. Parece que entendemos de imediato o que nos conduziu até este ponto, o que estamos deixando para trás e o que ainda aguardamos do futuro.
O café é servido na mesa. Aquecido. Intensamente. Praticamente desafiadora. Observo-o, ele me encara. Ele bebe um gole, eu acompanho o exemplo. O silêncio dura alguns minutos, mas é tranquilo. Ali, o diálogo não precisa ser corrido ou repleto de grandes novidades. Na realidade, o que procuramos é esse espaço entre as palavras, onde a simples presença já expressa tudo o que precisa ser expresso. Discutimos o trabalho, as pequenas frustrações e conquistas.
Também falamos sobre os sonhos, aqueles escondidos no fundo da gaveta, que só partilhamos com aqueles que compreendem o peso e a delicadeza de um anseio antigo. Em certos silêncios, a discussão permanece suspensa no ar, pairando entre nós, sem a necessidade de se materializar em palavras. Não necessitamos de explicações. Apenas o ato de estarmos presentes, com o café aquecido em nossas mãos e o relógio perdendo o ritmo.
Quando a xícara está vazia, a velocidade do diálogo não se reduz. Ela segue fluindo, agora mais leve, como se a cada gole o mundo se tornasse mais claro. Os temas mudam, mas o que realmente tem valor é o que não é expresso. O olhar amigo, o riso descontraído, a partilha do tempo. A amizade é construída a partir desses instantes. Pequenos, básicos, porém quando combinados, se transformam em gigantes.
Assim, entre xícaras de café e sorrisos despretensiosos, vamos construindo a nossa narrativa. Não existe urgência para concluir, nem qualquer dever de partir. O café é apenas o pano de fundo, o estopim do diálogo. O que realmente conta é a companhia. No final das contas, é isso que nos motiva a voltar ao café sempre que temos a oportunidade. O restante… bem, o restante permanece no ar, tal como o gosto do café que permanece mesmo após a xícara estar vazia.
Meire Marion é professora de inglês, língua e literatura, escritora e poeta. É diretora da UBE, responsável pelo Prêmio Cláudio Willer de poesia. Têm sete livros para crianças publicados. É colunista da Revista Voo Livre de literatura. Também participa de diversas antologias com poemas e contos.
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