É carnaval

Há muita gente nas ruas … Cada um
com o seu histórico de fome.
Não há pão na cesta.
Não há leite no país…
E tudo está perfeito, se houver
o mínimo deleite.
O leite secou no peito dos homens.
Os camelos têm sede e as leoas famintas
dissecam a nossa carne.
Há ironias nos risos
Há pouca água na sarjeta, onde os bêbados
se afogam.
Ninguém socorre o homem caído.
O sujeito caído é invisível aos olhos comuns.
O homem finge dormir a sua morte esquecida.
A condição de bêbado morto deprime o soldado,
que o conhece de sua rua, mas finge não o conhecer.
Faz pa(r)te…
Faz parte dos estilhaços sociais que regem o condado.
Os soldados se fartam nos quiosques
Onde vendem-se luvas imprescindíveis aos ladrões.
Não se prendem mais ladrões neste país?!
Os ladrões nem são mais sutis… Eles pedem ajuda lá fora!
Ditam leis e têm costas largas.
Para evitarem ruídos impertinentes, eles compram
sapatos de veludo para os delegados, que dormem
esquecidos da Pátria.
Alguém sequestrou suas algemas febris.
Os delegados agridem a notícia.
As bancas não vendem mais jornais.
Os rios de aço traíram os jornalistas.
O velho que acordava o jornal nacional voltou a dormir,
E assim, dorme o país o seu sono modificado.
Os chafarizes da justiça secaram ao anoitecer.
Uma bomba abalou a cidade.
De repente, as ruas ficaram cheias de policiais.
Os papas-móveis chegaram repletos de autoridades.
Viva o carnaval!
Nos camarotes, carreirinhas de miçangas alucinaram
os passistas. A febre do povo é o circo.
O país pode continuar sem leite,
As crianças podem continuar famintas,
Isto não compromete as filhas do general.
Ainda viveremos tempos de guerra.
As perfumarias anunciam mulheres maravilhosas.
Nos “Pubs” os homens são guerreiros.
Não há certeza de nada,
A certeza é que as mãos de Pilatos não se lavam
sem dinheiro.
Quem se importa, se alguém morre de sede,
ou desce o rio, sem vida…?!
Depois das batalhas de confete, o sangue derramado
na calçada escorreu pela sarjeta.
Ninguém percebeu a aflição do turista enforcado.
Vidas se esvaíram. Vozes confusas divergiram
dentro da noite.
Mal observaram a mudança das cores na transposição
dos sinais. Os salmões puseram os ovos no cascalho.
As moedas de troca fizeram suas conexões. Mas
A aurora continuará azul, do jeito que entardeceu.
Leite nunca foi fundamental ao País.
O país do carnaval é inzoneiro.
A pátria de chuteiras nunca gostou da escola.
Zé Pereira trapaceia o carnaval com dinheiro
O país do futebol esqueceu de jogar bola.

Carlos Kahê é associado da UBE.